Homofobia

A história da humanidade é carregada de exemplos de avanços e retrocessos em relação aos direitos individuais. Principalmente porque em qualquer sociedade, antes de se poder garantir direitos, é preciso definir quais são eles.

Simplesmente por assistir jornais televisivos, somos informados de que existem diferenças muito grandes entre os diversos países e culturas atuais. Enquanto algumas dessas diferenças são meras curiosidades, podendo ser encaradas como piada, outras, afetam gravemente a vida de seus habitantes.

Em alguns países, não há liberdade religiosa. Em outros, não há liberdade política. O cenário é tão diverso que mal temos como compreender o quadro geral. Por isso, o primeiro corte que faremos é o de tentar responder o que é homofobia apenas dentro do contexto ocidental.

homofobia

Neste sentido, precisamos inicialmente tratar da questão central: a homossexualidade.

Relações homoafetivas ao longo da história

Em primeiro lugar, é importante destacar que o entendimento e a aceitação social de certas tendências sexuais mudam ao longo da história. Relações entre pessoas do mesmo sexo ou do mesmo gênero na perspectiva das ciências humanas são e sempre foram muito mais comuns do que podemos supor. O que muda com o tempo, é a possibilidade de estas pessoas assumirem publicamente suas atividades, sem medo de represálias sociais.

Há um dito popular da antiguidade romana, presente em alguns dos escritos que temos preservados, o qual afirmava que César era o homem de todas as mulheres e a mulher de todos os homens. Mas nenhum filme sobre o imperador romano nos dá essa impressão. Por outro lado, filmes mais recentes, como Alexandre, do diretor americano Oliver Stone, não tem medo de mostrar o conquistador macedônio como aquilo que provavelmente era: bissexual.

Naquele período, a percepção social da homoafetividade era totalmente diferente da que temos hoje. Mas o filme de Oliver Stone só pode mostrar Alexandre daquela forma porque estamos no século XXI. Em filmes mais antigos, das décadas de 1950 e 1960 por exemplo, os mesmos César e Alexandre, seriam representados como heterossexuais.

Esta discussão é longa, complexa e polêmica, na verdade, tudo sobre homofobia padece desse mesmo problema. Mas, o que gostaríamos de deixar claro com este exemplo, é que não foi necessariamente a sexualidade dos seres humanos que mudou. Tanto César, quanto Alexandre e inúmeros outros homens e mulheres do passado, foram o que foram, independente de gostarmos disso ou não.


O que mudou foi a possibilidade de se apresentar aquelas figuras históricas de forma mais realista. Consequentemente, na sociedade ocidental atual, os seres humanos têm o direito de se expressar livremente com relação à sua sexualidade. Ao menos, em teoria.

Definição de homofobia

O prefixo homo, neste caso, não se refere a homem, mas sim a homossexual. Fobia é medo, aversão, repulsa. Portanto, homofobia é a reação de não aceitação à homossexualidade – e de certa forma, de todas as formas desviantes da conduta sexual considerada padrão – num sentimento de aversão, que pode, inclusive, levar à violência.

Como mostram os casos de homofobia no Brasil, agressões, estupros e até assassinatos, são mais comuns do que se pode imaginar. Mesmo porque há pouco espaço na mídia convencional para dar destaque a este tipo de ocorrência. Os homossexuais – ou a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais e transgêneros) de forma geral – ainda não têm a mesma representatividade de outras minorias.

Por isso, com relação à homofobia no Brasil, os dados ainda são muito imprecisos. Enquanto a lei Maria da Penha e as delegacias da mulher representaram um avanço no sentido de se combater a violência contra a mulher e também ajudaram a identificar e mapear estes crimes. Não há ainda, nada parecido em favor da comunidade LGBT.

Mas, porque alguém teria medo do que os outros fazem com seus próprios corpos? Esta questão está entranhada em nossa sociedade e é relativamente fácil entender a resposta.

A família tradicional

A primeira vez que a humanidade se reuniu para celebrar direitos considerados universais foi na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 – as tentativas anteriores não contam porque um punhado de americanos ou de europeus não é a mesma coisa que humanidade.

Naquele momento, tentávamos nos reerguer de todas as catástrofes pessoais e civilizatórias provocadas pela Segunda Guerra Mundial. Era natural, portanto, que aqueles direitos representassem uma afirmação dos valores considerados essenciais para a sobrevivência da própria civilização.

Na declaração, o artigo 16 deixa claro que: “a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.” Lá como cá, família é entendida como um casal heterossexual com seus filhos. Este é o núcleo familiar padrão para muita gente até hoje.

Para encerrar, a declaração ainda estabelece que: “nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver, para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.”

Em outras palavras, todas as formas desviantes do padrão podem ser vistas como um ataque direto a um dos valores mais caros para boa parte da humanidade. Não era esta a intenção explícita da declaração das Nações Unidas, mas, este valor permanece muito claro em algumas legislações pelo mundo.

Lei anti-homofobia

Na constituição brasileira, o artigo 226 define que “a família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.” Mas o parágrafo terceiro estabelece que: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Portanto, no Brasil, a lei é explícita quanto ao tipo de união que pode ser entendida como aceitável. O problema surge justamente do fato de que a existência de homossexuais é inegável e, sendo assim, estas pessoas precisam ser contempladas de alguma forma pela legislação.

Enquanto permanece o vácuo legislativo atual, várias ideias vêm surgindo no sentido de se criar estas leis, tanto no sentido de reprimir o comportamento sexual considerado fora do padrão, quanto no sentido de acolher estas pessoas como cidadãos e seres humanos, com direitos e deveres como quaisquer outros.

No entanto, o projeto de lei de maior impacto e bastante recente foi o PLC 122/2006. Na verdade, trata-se de um projeto que circula pelo Congresso Nacional desde 2001 e que foi aglutinando em seu texto, uma série de tipificações legais para crimes de discriminação. No meio do balaio, havia uma parte que definia que homofobia é crime, estipulando legalmente o que é ser homofóbico.

Como seria de se esperar, o projeto encontra-se engavetado. Um dos possíveis motivos, é o número muito reduzido da representação LGBT na política brasileira. Na realidade, atualmente, o único congressista assumidamente homossexual é o deputado federal Jean Wyllys. Apenas um entre 594 deputados e senadores.

Sem representatividade, sem lei

Enquanto essa proporção se mantiver, não há como esperar mais do que pequenas iniciativas. E, mesmo estas, correm o risco de serem mal interpretadas – com ou sem má intenção. Por exemplo, em 2004, o Governo Federal lançou o chamado programa escola sem homofobia. No entanto, hoje, o nome pelo qual a maioria vai se lembrar do programa, é “kit gay”.

Para resumir, o programa sequer chegou a ser posto em prática. Ficou sendo discutido por anos até ser enterrado definitivamente em 2011. Poucos se preocuparam em debater os méritos ou deméritos do programa. A questão virou apenas uma guerra de facções em que ninguém discutia os problemas em si e, muito menos, suas possíveis soluções.

Homofóbicos famosos, ou pelo menos pessoas reconhecidas como tal, tomaram o espaço público para denunciar uma possível doutrinação homossexual nas escolas. Eventualmente, as discussões se desdobravam para conceitos e termos cientificamente absurdos, mas aceitos em muitos nichos fora do mundo acadêmico. Entre estes conceitos, estão a heterofobia e a “cura gay”.

A heterofobia seria a discriminação dos heterossexuais por parte dos homossexuais. O problema é que o termo não tem nenhuma base sociológica possível. Sendo considerado muito mais como peça ideológica dentro de uma disputa política. Para exemplificar, corresponderia a dizer que, hoje em dia, os negros é que são racistas com relação aos brancos. Uma inversão intencional e muito pouco convincente.

Já a “cura gay” é um tema tão complexo que não deveria ser tratado em apenas um parágrafo. Mas, digamos que, em essência, a proposta por trás desta cura seja apenas uma representação na prática social de um embate muito mais antigo, entre uma determinada percepção religiosa de uma prática social, versus aquilo que é possível conhecer cientificamente sobre a mesma prática.

Mas, para não dizer que não falamos de flores…

Alguns pequenos avanços legais continuam sempre sendo possíveis. Se o Congresso Nacional não aprova, eventualmente o STF (Supremo Tribunal Federal) acaba aprovando. Foi assim que o casamento homoafetivo no Brasil virou realidade em 2011. E esta é a boa notícia para a comunidade LGBT, uma vez que um comportamento se estabeleça como legalmente aceitável, a sociedade tende a se acostumar. A perder o medo, digamos. A partir daí, de um começo tímido, outros avanços podem vir.

Além disso, por incrível que pareça, neste quesito o Brasil está na vanguarda, é um dos pouco mais de 20 países, quase todos ocidentais, que permitem o casamento homoafetivo no mundo.

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