Direita e Esquerda

Este é, possivelmente, um dos temais mais difíceis para se tratar atualmente, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. De início, vamos estabelecer entre nós um acordo: independentemente de já termos nossas posições definidas, ou de querermos apenas confirmar nossas opiniões, vamos todos procurar desarmar o espírito. Se o objetivo for apenas mandar os adversários políticos para a Venezuela ou acusá-los todos de fascismo, então não há muito que possamos aproveitar nessa discussão.

Agora, vamos fazer uma pequena digressão. Uma das características mais fortes da espécie humana é a capacidade de classificar e categorizar absolutamente tudo que compõe o mundo à sua volta. Essa habilidade sempre nos foi muito útil em termos evolutivos, por razões muito simples.

significado de direita e esquerda

Pense nas categorias bom/mau (ruim). Saber identificar uma fruta silvestre pelo nome é um passo posterior à classificação mais básica, se é boa, ou má (ruim). Saber diferenciar um lago de rio pelos nomes também é um passo posterior aos aspectos mais importantes, se a água é boa ou ruim; se há animais perigosos que ali vivem e assim por diante.

Não à toa, todos somos classificadores e categorizadores naturais muito hábeis. Temos isso guardado em nossos genes. Mas, diferenciar maçãs de laranjas ou elefantes de rinocerontes é bem mais simples que classificar pessoas pelas suas linhas de pensamento. É fácil dizer se uma pessoa é alta ou baixa, gorda ou magra, mas não é fácil classificar seu comportamento político.

O primeiro problema que enfrentaremos está justamente no fato de que é muito fácil classificar direita e esquerda, difícil é classificar pessoas ou grupos de pessoas, dentro desta ou daquela. Difícil, claro, se estivermos preocupados em não cometer injustiças.

Feito este pequeno aviso, vamos procurar entender do que estamos tratando.

História da direita e esquerda

Embora seja possível começar de vários momentos diferentes, preferimos iniciar com uma história muito significativa. No final da Primeira Guerra Mundial, uma extensa faixa de trincheiras funcionava como um autêntico moedor de carne na Europa Ocidental, enquanto, na Europa Oriental, não importava o quanto a Alemanha batesse, a Rússia simplesmente não desistia.

Neste cenário desolador, os estrategistas alemães encontraram uma dessas oportunidades do acaso batendo a sua porta. Lenin, o pai da Revolução Soviética, pedia passagem pelo território alemão para promover a revolta popular na Rússia.


Os alemães fizeram mais do que permitir sua passagem, ofereceram apoio financeiro para a revolução e, em troca, queriam a paz com a nova Rússia. Para encurtar a história, Lenin teve sucesso em sua revolução, assinou a paz em separado com a Alemanha e, assim, teve origem a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).

Ironicamente, na Segunda Guerra Mundial, o principal objetivo da Alemanha de Hitler era destruir o comunismo soviético. Mas, havia a Polônia no meio do meio do caminho e, mais uma vez, o país lutaria em duas frentes, porque ingleses e franceses, mesmo não morrendo de amores pela URSS, haviam se comprometido a garantir a liberdade polonesa.

Onde estão direita e esquerda nesta história? Inglaterra e França tinham governos moderados de centro, com algumas tendências à direita e outras à esquerda; a Alemanha era governada por uma mistura de políticas sociais e ideologias de extrema direita, naquilo que chamamos de nazifascismo; destacando-se do grupo, a URSS representava a extrema esquerda.

São estes os estereótipos que nos perseguem ainda hoje, mesmo que já não façam mais o mesmo sentido que faziam à época. Ali estavam as origens dos mitos e preconceitos sobre a direita e a esquerda. Em parte, porque as questões sociais e econômicas de então permanecem presentes na sociedade atual. Sendo assim, vamos definir melhor os termos.

O que é direita e esquerda?

Para explicar de forma simples os termos, será mais produtivo separarmos ambos de acordo com suas principais bandeiras ideológicas, mas estas também podem ser divididas em seus aspectos sociais e econômicos.

As principais diferenças entre direita e esquerda na economia estão centradas na maneira como cada uma entende o papel do Estado na condução da própria economia. Para a percepção direitista, o ideal é o Estado mínimo, ou seja, que interfere o mínimo possível nas atividades do mercado.

Por consequência, um Estado com menos tarefas seria também um Estado menos inchado e burocrático. O que também se encaixa na concepção clássica conservadora das ideologias da direita. Neste sentido, o Estado deveria respeitar as liberdades individuais, embora não necessariamente de forma a transformar a sociedade.

Em outras palavras, aqui começam a surgir dificuldades para o enquadramento da direita em um corpo único. De um lado, a direita se caracteriza pelo conservadorismo, pelos valores tradicionais, família e propriedade. De outro, também pode prezar pelas liberdades individuais.

Esta contradição é apenas aparente. No interior do que chamamos direita, existem pessoas que são liberais nos aspectos econômicos, mas conservadoras nos aspectos sociais. Assim como existem aqueles que são liberais economicamente e libertárias socialmente.

Enfim, ainda há a extrema direita. Uma versão que tende a defender um Estado nacionalista e regulador da economia, sendo normalmente extremamente conservadora com relação às questões sociais.

Mas, e as ideologias da esquerda?

O que entendemos por esquerda inclui um grupo de pessoas que vê o Estado como o principal agente regulador da sociedade, tanto nas questões econômicas quanto nas sociais. Dentro desta percepção, o Estado serve como um guardião da sociedade ante a avidez capitalista pelo lucro.

Desta forma, não há um limite claro para o tamanho do Estado, porque o importante é que se mantenha atuante, onde quer que sua presença se faça necessária. Além disso, a esquerda advoga certos valores individuais e coletivos, que buscam a igualdade social.

Igualdade, bem entendido de forma abrangente, ou seja, cabe ao Estado garantir que todos os cidadãos tenham acesso a um mínimo de condições necessárias para que possam ter uma vida plena em sociedade. Costumamos incluir estas questões num conjunto de políticas chamadas progressistas (em oposição ao conservadorismo).

Dentro da esquerda também há inúmeras divergências e, é claro, existe a extrema esquerda. Talvez, muito menos evidente no mundo atual, onde o comunismo já se desmantelou na maior parte dos países em que costumava existir. Mas suas características básicas são muito próximas às da extrema direita: Estado forte, centralizador, nacionalista e conservador.

Partidos de direita e esquerda no Brasil.

Claro que não poderíamos encerrar o assunto sem ao menos tentar enquadrar os partidos políticos brasileiros no grande esquema esquerda-direita. Alguns deles são muito óbvios, certo? Depende do que considerarmos como a característica mais importante.

Por exemplo, o PSDB começou como um partido de centro esquerda, ideologicamente atrelado à Social Democracia europeia, ou seja, tomava como prioridade política o Estado de Bem Estar, em que os serviços essenciais devem ser prestados gratuitamente pelo governo. Hoje, mesmo estando politicamente dividido, apresenta uma tendência econômica neoliberal, ou seja, de direita.

O PT começou como um partido ligado à ideologia de esquerda, marxista, entendendo a sociedade através da luta de classes. Mas, durante seus governos, a política econômica, principalmente na área financeira, foi muito mais neoliberal do que progressista. Este fato ocasionou vários rachas no partido, gerando filhos diversos, como o PSTU ou, mais recentemente, o PSOL.

O PMDB começou como a única alternativa para os políticos que não estavam alinhados com a ditadura militar. Na época, era o mais próximo que tínhamos de um partido de esquerda. Mas era apenas uma marca definida pelo contexto, não por convicções ideológicas. Dentro do partido, havia, e ainda há, de tudo, de Roberto Requião até Eduardo Cunha. Assim, não podemos afirmar que o partido seja qualquer coisa além de centro.

A classificação dos partidos parece difícil? Tente classificar os políticos individualmente. Podemos afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que não há um único que seja perfeitamente enquadrável neste ou naquele espectro político.

Mas então porque as pessoas defendem tanto seus partidos e políticos como se fossem de direita ou de esquerda? Vamos tentar responder esta última pergunta discutindo melhor o que é política.

Direita e esquerda: política e negociação

Existe uma extrema direita e uma extrema esquerda. Estas, quando realmente seguem suas ideologias, não têm nenhuma inclinação à negociação. Mas, todo o restante do espectro político é essencialmente construído sobre o conceito da negociação.

A política é a arte da negociação ou pelo menos deveria ser. E a razão para este fato é simples. Em sociedades complexas, não existe a possibilidade de se atender a todos os interesses da sociedade. Mesmo que houvesse, alguns são conflitantes com outros, portanto, não seria viável de qualquer forma.

A função da política é, justamente, colocar estas percepções diferentes da sociedade para conversar, de forma que, eventualmente, se torne possível encontrar soluções intermediárias através de negociações. Por isso a política é tão importante. Por mais corrupta que seja, ainda é a única forma que a sociedade tem de confrontar seus valores e necessidades com a sua capacidade de solução de problemas.

Fora da política, há apenas ditadura, guerra civil ou anarquia. Mesmo que o leitor ache que alguma delas não é tão ruim, tenha em mente, primeiro, que a anarquia jamais foi tentada, o máximo que tivemos na história da humanidade foram períodos de caos, não de anarquia.

Guerras civis acontecem esporadicamente e têm um custo altíssimo em vidas. Basta ver a situação atual da Síria. E ditaduras? Bem, ditaduras são o nosso calcanhar de Aquiles. No Brasil, ainda há muitas pessoas que imaginam a ditadura militar como um passado glorioso do país. Podemos dizer que estas pessoas são a nossa extrema direita.

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