Coronelismo

O coronelismo foi um exercício político brasileiro característico do início do século XX, no período chamado de República Velha (1889-1930), quando os chamados “coronéis” exerciam o poder local sobre as classes mais baixas da sociedade a fim de garantir o voto em troca de favores das esferas políticas locais, estaduais e federais.

Essa prática iniciou-se no Brasil depois da proclamação da República. Depois do fim do voto censitário, que demandava do cidadão uma renda mínima para poder exercer o voto, o número de total de brasileiros eleitores aumentou e as elites do império calharam a se aproveitar desse acontecimento para se conservar no poder.

O conceito de coronelismo foi criado pelo jurista brasileiro Victor Nunes Leal, em 1948, em seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto”. Em suas próprias palavras:

“Concebemos o coronelismo como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada (…) o coronelismo é, sobretudo, um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente, os senhores de terras”.

O termo é um abrasileiramento por conta do nome da patente de coronel da Guarda Nacional. Esse encargo era utilizado para nominar os cargos aos quais as elites locais eram passíveis de ocupar dentro do escalão militar e social brasileiro.

As origens do coronelismo começam no século XIX, com a criação da Guarda Nacional, quando os encargos de confiança eram nomeados de acordo com afinidades de autoridade e troca de favores. Assim, aqueles grandes proprietários de terra que eram fieis ao governo ganhavam o cargo de coronel para exercer o controle local. Portanto, essa prática que foi existente tanto nos meios rurais quanto nas cidades, era decorrência da desigualdade social e das inseguranças existentes na sociedade brasileira.

Aos olhares da população local, ser coronel era análogo a ter um título nobiliárquico e isso passou a autenticar muitos dos atos dos chefes locais. Esse processo teve início no plano municipal e estabeleceu a preponderância do coronel sobre o poder público.

O poder do coronel foi tão recorrente que se perde em outros termos relacionados, como o mandonismo, clientelismo e, até mesmo, o feudalismo. Na América Hispânica, há certa semelhança com a prática do caudilhismo, com a diferença de que o exercício de poder do coronel era baseado na violência, enquanto o caudilhismo, na conquista social.

As características do coronelismo

A constituição social dessa elite política foi de, principalmente, comerciantes, grandes donos de terras rurais e chefes políticos locais. Podiam exercer autoridade sobre a população local de maneira incontestável.


Em nível local, os coronéis se utilizavam das milícias para reprimir e, assim, manter a ordem social, ajudando assim a conservarem seus próprios interesses.

Os territórios politicamente dominados pelos coronéis eram chamados de “currais eleitorais”. Nesse espaço, qualquer um que se recusasse a votar no candidato apadrinhado pelo coronel poderia sofrer agressão física, violência ou até mesmo a morte. Essa prática ficou conhecida como voto de cabresto.

Algumas das principais particularidades que marcaram o período de coronelismo foram:

  • Clientelismo:  relação entre coronéis e cidadãos, principalmente os mais pobres, que eram tratados como se fossem “clientes”. As pessoas mais humildes ficavam totalmente à mercê de ordens dos seus supostos “patrões”.
  • Fraudes eleitorais: além do já mencionado voto de cabresto, os coronéis também fraudavam as eleições, alterando votos, sumindo com urnas, falsificando documentos e praticando o “voto fantasma”, incluindo no sistema de votos eleitores que não existiam ou que já haviam morrido.
  • Política do “Café com Leite”: esse é o nome dado ao esquema político que foi quase como combinado entre os líderes de estado de Minas Gerais e São Paulo durante o período oligárquico. São Paulo, o maior produtor de café do país, junto a Minas, o maior produtor de leite, revezavam na presidência do país e garantiam a manutenção contínua do poder com sua economia complementar.
  • Política dos Governadores:  acordo selado entre governadores e o presidente da República, consistindo em troca de favores com o intuito da permanência de ambos no poder sem maiores perturbações.

O voto de cabresto

O coronel e seu curral eleitoral mantinham uma relação de troca de favores: ele protegia a população e esta o obedecia. Assim, durante a época de eleições, todas as pessoas que dependiam do coronel votavam no candidato que ele apoiava. Essa prática ficou conhecida como voto de cabresto, expressão que compara o eleitor a um animal controlado um cabresto, como são os cavalos, burros e mulas.

Além disso, o eleitor podia ser vigiado e consequentemente pressionado pelo coronel, já que o voto era aberto: esse tipo de voto demandava que se escrevesse o nome do candidato escolhido em um papel junto à assinatura do eleitor. Com isso, era possível saber em quem o eleitor tinha votado.

O desenvolvimento eleitoral em municípios permitiu aos coronéis a ampliação de seus poderes, já que eles atuavam diretamente na aliciação dos votos para os candidatos que possuíam apoio do governo estadual ou federal. Já que os coronéis possuíam força militar razoável, poderiam utilizar do medo para coagir a população a votar em certo candidato. Os favores que os coronéis prometiam e que ampliavam seu controle político e econômico local incluíam coisas humildes como “um par de sapatos, vaga no hospital ou um emprego de professora”.

E quem eram os coronéis?

O governo criou a chamada Guarda Nacional durante o período regencial (1831-1840) por conta de uma série de revoltas populares que eclodiram no país. Essa guarda, que visava controlar a revolta das massas, era constituída por grandes senhores de terras: os coronéis. Esses coronéis eram membros da elite, de famílias abastadas, latifundiários, ricos fazendeiros e donos de posses de terras.

A cultura desses coronéis e, consequentemente de seus governos, eram provenientes de um típico pensamento machista, de tradição patriarcal e estrutura agropecuária do interior brasileiro. Com o início do período de República, a Guarda foi perdendo espaço até deixar de existir, em 1922. Porém, o prestígio e a influência dos coronéis ainda continuaram – e, em alguns estados brasileiros, sobretudo no Nordeste, ainda continua. Mantiveram-se assim como chefes políticos em áreas próximas à sua propriedade ou vizinhança.

Sobre o coronelismo no Nordeste

O Nordeste foi a região brasileira onde a atuação violenta e autoritária dos coronéis foi mais forte, tendo permanecido resquícios dessa prática no cenário político atual até hoje. Naquela região, houve um fenômeno histórico até hoje pouco discutido ou visibilizado: a formação de grupos de cangaceiros. Esses cangaceiros eram pessoas – homens e mulheres – que lutavam contra o domínio dos coronéis nas terras, especialmente no sertão. O maior deles conhecido é Lampião e sua mulher, Maria Bonita, e seu fiel parceiro Corisco, o Diabo Loiro. Há uma divergência de opiniões quanto aos cangaceiros – muitos os tratam como verdadeiros terroristas, outros como grandes heróis. Na prática, eram apenas frutos da violenta desigualdade social que se rebelaram contra o opressor, assim como fizeram os negros, isolando-se nas comunidades quilombolas, ou como indígenas ao lutarem pelas suas terras.

A diferença é que, da mesma maneira que os coronéis abusavam da extrema violência, os cangaceiros também. Eram conhecidos por decapitarem seus inimigos e empalarem as cabeças à vista da população, assim como por saquear cidades, roubar mulheres e caçarem todos aqueles que os traíssem ou não respeitassem seu domínio. Viviam em comunidades nômades e sobreviviam pelo banditismo, prática que consistia em saquear para sobreviver e praticar crimes como base de sua estrutura comunitária, como forma de rebelião e protesto à vigência política nacional da época.

Sobre os coronéis dos estados nordestinos, muitos estiveram atuando em Pernambuco: Veremundo Soares controlava Salgueiro; o coronel Quelé, chefe da família Coelho, comandava Petrolina; Zé Abílio mandava em Bom Conselho. Chico Heráclio reinava em Limoeiro, mandando na cidade desde 1920, quando se elegeu prefeito, até o ano de sua morte, em 1974, aos 89 anos, 54 anos como principal mandante de uma grande região. É conhecido, inclusive, como “O Último Coronel de Pernambuco”, muito conhecido pelos seus abusos de poder.

Hoje em dia, o Nordeste é a região que retém o maior número de deputados com parentes também nomeados na política. De cada dez membros parlamentares que assumem o mandato entre os nove estados nordestinos, seis deles possuem parentesco com outras entidades do mundo político. O predomínio de determinadas famílias na política do Nordeste mostra como as práticas coronelistas ainda perpetuam, mesmo que sob nova tipificação.

Nos estados de Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas é onde há maior ocorrência das sequelas dessa prática. Onze dos doze representantes paraibanos da Câmara vêm de famílias tradicionais na política. A mesma coisa ocorre com oito dos nove potiguaras e entre sete de nove alagoanos. No Rio Grande do Norte, além de tudo, apenas três famílias ocupam mais de metade da bancada: os Alves, os Maia e os Rosado.

O coronelismo e a Política dos governadores

A relação entre coronéis e curral eleitoral sustentava não somente o poder local, mas toda uma relação política conhecida como a Política dos Governadores. Consistia na troca de favores, indo do nível municipal até o federal.

Essa prática começava com os coronéis garantindo votos dos municípios para os presidentes de estado (título dado aos governadores na época), em troca de apoio, favores e verbas; e com isso os presidentes de estado apoiavam o Governo Federal, que em troca não realizava interferência em eleições estaduais.

Todas essas práticas, junto a muitas outras como o já citado voto de cabresto, ou como a do voto fantasma, serviram para manter esse sistema político oligárquico rural no poder.

Coronelismo hoje em dia

Anda hoje no Brasil são comuns práticas que caracterizam um possível coronelismo moderno, tais como a corrupção eleitoral, o coronelismo eletrônico (abuso das influências dos donos de redes de rádio e televisão, que em muitos casos também são políticos, usando a mídia a seu favor), o funcionalismo público (coerção à voto sob ameaça de demissão) e o nepotismo. A troca de favores por votos, como entrega de cestas básicas para populações mais carentes é ainda muito praticada durante o período de campanhas eleitorais e corresponde à corrupção eleitoral. Essa prática remete aos votos de cabresto – e, apesar de já ter sido muito combatida, ainda é uma realidade.

O êxodo rural, porém, é um fator que ameniza o poder dos coronéis. A descentralização do poder das mãos dos fazendeiros acaba por cair nas mãos dos industriais e dos partidos que representam o proletariado urbano. O rádio e a televisão, por outro viés, também acabam por ajudar a informar e esclarecer melhor o funcionamento político para as camadas mais populares – apesar de também suscitá-las à manipulação.

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